EUA passam por onda grevista e mobilizações

O sindicato dos metalúrgicos dos Estados Unidos (UAW, na sigla em inglês) negocia com as três grandes montadoras americanas (General Motors, Ford e a Stellantis) o acordo entre patrões e cerca de 150 mil operários da categoria, responsável por uma indústria avaliada em “US$713,07 bilhões em 2021” (“Mercado automotivo da América Do Norte – Crescimento, Tendências, Impacto do Covid-19 e Previsões [2023 – 2028]”, Mordor Intelligence, acessado em 9/9/2023). Os trabalhadores pedem reajuste de 46% ao longo dos próximos quatro anos, reajustes nas pensões dos trabalhadores aposentados, aumentos que acompanhe a carestia e também a redução da jornada de trabalho semanal, das atuais 40 horas para 32 horas. As empresas, no entanto, resistem.

Em assembleia ocorrida no dia 25 de agosto, os trabalhadores aprovaram estado de greve, com a data limite do próximo dia 14 para os patrões atendarem as reivindicações da categoria. “Se chegarmos às 11h59 de quinta-feira [14] sem acordo em nenhuma das três grandes montadoras, haverá uma greve – em todas as três, se necessário”, informou o presidente do UAW, Shawn Fain, na sexta-feira, durante uma transmissão feita no Facebook. 

“O nosso objetivo não é fazer greve”, disse Fain, deixando claro, porém, que caso as empresas se mantenham irredutíveis, é o que fatalmente acontecerá. Segundo o sindicalista, os lucros obtidos pelas três principais montadoras de Detroit superou US$ 250 bilhões nos últimos dez anos nos, sendo US$21 bilhões somente no primeiro semestre de 2023. Dando concretude ao arrocho que sofrem os trabalhadores, o dirigente destaca que a remuneração da CEO da GM, Mary Barra cresceu 32,5% entre 2018 e 2022, ao passo que durante mesmo período, o salário médio dos operários da companhia cresceu míseros 2,8%.

Segundo a imprensa americana, o fundo de greve do UAW conta com mais de US$825 milhões, que serão utilizados para auxiliar os membros durante a paralisação (“UAW workers overwhelmingly vote to authorize strikes at GM, Ford, Stellantis”, Michael Wayland, CNBC, 25/8/2023). O subsídio de greve é de US$500 por semana para cada membro – contra US$275 por semana no ano passado. A mesma matéria informa que “greves nacionais ou localizadas contra qualquer uma das montadoras podem ser prejudiciais aos negócios”, informa a CNBC, lembrando que “em 2019, uma paralisação de 40 dias na GM levou a uma perda de produção de 300.000 veículos”, o que segundo a matéria “custou à montadora US$3,6 bilhões”, conclui.

A greve de 2019 foi a última realizada pelos metalúrgicos, levando cerca de 48 mil operários a cruzarem os braços em 50 estados norte-americanos. Foram seis semanas de mobilização que só terminaram quando a GM cedeu. Os salários aumentaram de US$17 por hora para US$28 a hora, compensação entre US$ 75 mil a US$85 mil para os trabalhadores de três fábricas da empresa em vias de serem fechadas e mais benefícios nos planos de saúde, entre outras conquistas. Segundo o banco Credit Suisse, as perdas da GM poderiam ultrapassar a marca de US$ 50 milhões por dia se a greve se alastrasse (“GM Faces $50 Million Losses a Day as UAW Digs In for Strike”, David Welch, Keith Naughton, Bloomberg, 14/9/2019).

Neste ano de 2023, a situação poderia ser ainda pior. Mesmo uma greve consideravelmente menor do que a de 2019, com duração de apenas 10 dias, poderia custar às três grandes montadoras de Detroit impressionantes US$5 bilhões, pelo menos. Esta foi a conclusão de um estudo realizado pelo instituto norte-americano de análises Anderson Economic Group (“10-day UAW strike against Big Three could cause economic losses exceeding $5 billion”, 17/8/2023).

A pancada no bolso das montadoras, entretanto, ainda não é o maior problema do imperialismo. Segundo a Escola de Relações Laborais e Industriais da Universidade Cornell, a principal potência imperialista do planeta teve nada menos do que 900 greves apenas no mês de agosto.

O Screen Actors Guild – Federação Americana de Artistas de Televisão e Rádio, sindicato que reúne os profissionais da produção audiovisual dos EUA (SAG-AFTRA, na sigla em inglês) não fazia greves desde 1980. Após 43 anos de paralisia, cerca de 175 mil profissionais da indústria do entretenimento paralisaram as atividades, atrasando a produção de um sem-número de produções. Os 340 mil operários do serviço postal norte-americano (UPS), não chegaram a concretizar a greve marcada para 1º de agosto, mas apenas porque os patrões recuaram e atenderam às exigências dos trabalhadores.

Entrevistado pelo portal de notícias da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a diretora do Centro de Estudos de Trabalho e Comunidade da Universidade de Califórnia em Santa Cruz e PhD em Economia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Jana Silverman sintetiza:

“A pandemia radicalizou muito os trabalhadores americanos, principalmente os jovens nos setores de serviços e logística, que tiveram de trabalhar durante todo o período da doença e muitos sequer receberam acréscimo por insalubridade. Isso promoveu uma retomada das mobilizações do movimento sindical, especialmente a partir da revolta de setores como serviços, logística, restaurante e hotéis. Porque enquanto arriscavam a vida, empresários como Jeffrey Bezos ganharam dinheiro como nunca e não investiram em melhores condições de trabalho, saúde e segurança”, diz Silverman (“Greves nos EUA crescem com sindicatos mais combativos e à esquerda”, Luiz Carvalho, 14/8/2023).

A fala de Silverman encontra ecos em um dos vídeos transmitidos pelo dirigente da UAW, que critica os bilionários em seu perfil no X (antigo Twitter) por irem ao espaço enquanto os trabalhadores que fazem a fortuna dos patrões empobrecem. Lidar com esse tipo de radicalização é um problema muito agudo que terá de ser enfrentado pelo imperialismo. Citando dados do norte-americano Economic Policy Institute, uma matéria do sítio BBC Brasil publicou uma matéria intitulada “Por que EUA vivem auge de sindicalismo e greves em 50 anos” (Mariana Sanches, 10/8/20023), informando que “a tendência [grevista da classe operária americana] já havia sido notada em 2022. Um relatório de fevereiro do centro de estudos Economic Policy Institute notou aumento de quase 50% no número de trabalhadores envolvidos em grandes greves entre 2021 e o ano passado”, ao que a matéria conclui: “O ano de 2023 deve ser marcado por um novo salto”

Radicalização, sem dúvidas, é a marca desse ressurgimento das mobilizações operárias. O avanço da crise capitalista, por outro lado, empurra os trabalhadores para a esquerda e deve tornar a situação da classe trabalhadora norte-americana um importante objeto de análise, e acompanhamento.

FONTE: Diário Causa Operária