‘Iriam matar a gente e jogar nossos corpos’, diz Guarani-Caiouá

Reproduzimos, abaixo, uma entrevista exclusiva publicada no jornal Diário Causa Operária (DCO) com um índio Guarani-Caiouá que denuncia ataques que sua comunidade vem sofrendo por parte dos latifundiários e jagunços.

Confira:

DCO: Qual é a situação dos índios Guarani-Caiouá na Retomada Puyelito Kue?

R: Na comunidade, a nossa situação aqui é ruim por causa que não dá para fazer plantação. A terra que estamos, de maneira improvisada, não é boa, é muito areia, e também muito apertada para muitas famílias. Então, a comunidade já está cansada de esperar, né? A fazenda vizinha que foi retomada é a fazenda Cambará. Quando a gente retomou, a justiça fez um acordo e deram um prazo de um ano ou 2 e agora a gente já estava quase 10 anos já de espera.
Então em nenhum momento sequer a gente desobedeceu à justiça. Para nós, a gente não queria atacar uma fazenda vizinha, nem a fazenda vizinha fez mal contra nós, porque senão seria a quebra de acordo. Então, o que que a gente fez não é por causa que alguém obrigou nós ir lá onde é a nossa terra, na fazenda onde é o coração do Puyelito Kue (Fazenda Maringá). Ninguém obrigou nós, ninguém que se fez de chefe ou de líder para ir lá. O nosso Nhanderú (rezador) mesmo que fala com a comunidade, o próprio antepassado, nosso rezador que morava lá mesmo, fala através do sonho, né? Chamando o pessoal para ir para lá. É porque ali onde é o coração do Puyelito Kue. Ali, que está a sementeira dos nossos antepassados, Nhandesi e Nhanderu (rezadores). O que que a gente fez? A gente foi para retomar e não é por causa que a gente foi atrás de conflito, a gente, a gente não quer violência, né? A gente não foi assim pra bater mesmo na no fazendeiro. A gente não foi judiar dos fazendeiros. A gente foi na paz.
A gente avançou por causa que a gente quer plantar. A gente quer plantar batata, arroz, mandioca aqui. Porque aqui (no acampamento provisório) não dá, porque aqui é tudo apertado já, aqui é muito apertado. Se você anda um metro já encontra a casa, não dá para plantar. É muito apertada já. Nessa área tem 97 hectares, né? E a gente quer espaço maior, porque a nossa terra aqui já está demarcada, já está publicada, já está tudo pronto, é não sei o que que falta para fazer. Então não sei porque a justiça também não determina, a Funai, então é isso que a gente fez para avançar lá.

DCO: E quando e vocês decidiram e realizaram a retomada?

R: Então, eu mesmo já fui atrás deles (os índios que iniciaram a retomada). Não sei que dia que eles saíram, esse que eu não fiquei sabendo bem, que dia que eles saíram porque estava todos aqui. Era sexta-feira (18/11) aqui e eles estavam dançando para retomar.
Aí o pessoal já foram lá, não sei qual lugar que foram lá pro mato (para iniciar a retomada). Aí eu fui já na segunda-feira e encontrei ele lá no mato. Estava tudo lá e a gente foi lá no mato, chegou perto da fazenda onde é a Fazenda Maringá, né? A gente foi do mato para chegar na sede da Fazenda, aí voltou pro mato. Então era quarta-feira e a gente chegou lá terça-feira à noite. Estava tudo calmo, não tinha ninguém.
E segundo a gente já sabia antes de acontecer isso que o fazendeiro da (Fazenda) Maringá já tinha entregado a Terra, mas o outro fazendeiros das fazendas da região se meteram e não querem que entregue essa fazenda.
Na quarta-feira de manhã, o pessoal da Fazenda Santa Rita chegou com seguranças, pistoleiros e nós atacaram.

DCO: É na fazenda Maringá que estava lá o cemitério e outras comprovações que aquela área é terra indígena na qual foram expulsos poucas décadas atrás?

R: Sim, está tudo lá. Tem as casas onde era a casa de reza, cemitério onde estão enterrados nossos antepassados e que moraram nossos parentes, como avós e bisavós que foram expulsos com a violência dos fazendeiros.

DCO: No momento da retomada, vocês foram atacados imediatamente pelos pistoleiros? Quando foi que sequestraram vocês e iniciaram as torturas?

R: O pessoal das fazendas que chegaram lá, ele já estava atirando em cima já (para o alto em direção a retomada). Só que não chegou a fazer nada. Atiravam de longe e se movimentavam. E, na verdade, não é da fazenda Maringá, se movimenta no pessoal (pistoleiros e latifundiários) da fazenda Vera Cruz que a gente passa pela propriedade. A gente passa no meio da Fazenda Vera Cruz para que possa chegar no Puyelito Kue atual, a gente passa do lado, mas a gente não queria confusão com eles, né? Porque eles são da outra fazenda. Aí a gente está indo aonde era o coração do Puyelutio.

Na terça-feira (21/11) que começou isso (tiros contra a retomada). E tinha umas 20 pessoas da comunidade entre as mulheres, idosos e jovens. Estava indo para lá, para para dar força para nós, então eles já estavam na estrada que fica aqui da aldeia do Puyelito Kue e é vizinha da da fazenda de algo que hoje está 97 ha. Quando eles viram e começaram a atirar em cima, e então a gente veio de encontro com todos os índios para a gente evitar o máximo para não acontecer nada, não é? É porque a gente, não é com eles que agente não é a fazenda deles que a gente quer tomar porque A gente quer o coração do Puyelito (Fazenda Maringá), né?

DCO: E quando houve a ação mais violenta dos latifundiários para despejar vocês da retomada?

R: Foi na quarta-feiram (22/11) de manhã, as 8 horas da manhã? Primeiro vieram 5 pistoleiros numa picape. Eu pensei que a gente iria conversar com eles, se eles falassem para nós, a gente vai pro Mato, vamos esperar o federal (polícia) vir para a gente conversar e a gente faz algum acordo, mas eles eram segurança da outra Fazenda, a Fazenda Santa Rita. Eles não são da Fazenda Maringá.
E eles vieram já atirando na gente. A gente poderia enfrentar eles, né? Mas assim a gente não quer confusão, né? E a gente tem possibilidade de ficar lá, bater neles, judiar também, porque eles são somente 5 pessoas, só vêm armada e a gente não.
A gente não tem medo dela porque o nosso canto e Nhanderu e a natureza nos protege. Mas a gente não quer isso, a gente não quer violência, não é?
Foram cinco pistoleiros atacar na hora que a gente foi para o brejo se esconder. Pegaram uma senhora, já de idade avançada e tem problema de alguma doença também e que não conseguiu fugir. Pegaram ela e eles falaram que iriam matar ela, e foi aí que a gente saiu do brejo. A gente se rendeu para não acontecer nada com a senhora idosa e doente, né? Então a gente se rendeu e pegaram nós 3 mulheres e eu. No caso a gente foi amarrado, espancado e torturado. Foram vários chutes, várias armas apontadas para nossa cabeça e bateram muito. Também esparramou um formigueiro e colocaram a nossa cara lá. Exigiam que a gente se mexesse no formigueiro para ser picado pelas formigas. E bateram, torturaram.
As armas que tinham era calibre 12 novo, rifle e em uma arma de um tiro, aquele que quebra no meio não é? Sei que tinha pistola ou 38, né? Mas é uma pequena que estava nas mãos deles.
Primeiro chegaram 5 pistoleiros aí, depois que chegou mais. Eu vi escutando o carro chegando lá, né, vários Hilux, tinha preto, branco e uma prata. Chegaram mais de 20, né? Aí depois chegaram lá perguntando onde estavam nossas coisas, né? Perguntaram cadê o celular. Aí eu falei, está por aí. Não sei que lugar que eu larguei, mas está por aí. E aí eles queimaram toda nossa roupa coberta, nossos celulares.

DCO: O que os pistoleiros e fazendeiros diziam enquanto vocês estavam amarrados e sendo espancados?

R: Eles falavam que iam nos matar, não é? Levar para o Paraguai, para nós matar, para não deixar o rastro, iriam matar a gente e jogar nossos corpos no Paraguai ou pista ou iriam nos amarrar e jogar aquele lago que tinha lá embaixo da fazenda.

DCO: E eles agrediram a senhora, a mulher grávida da mesma maneira?

R: A mulher grávida eles jogaram no meio da lama, aquele a lama preta que tem no brejo lá. Mas ela ficou quieta lá e que foi pisoteada pelos pistoleiros e fazendeiros, né? Então, eles subiram em cima dela. É que é o relato que elas falaram para nós, não é?

DCO: Então eles sequestraram seis índios Guarani-Caiouá?

R: Pegaram mais 2 na volta e depois do outro dia já era pra quinta-feira que as pessoas se esparramou pelo mato para fugir. Então foram 2 senhores, 2 senhoras, uma mulher, não é? que tem 39 e 40 anos em um matagal, estava grávida também. Eles chegaram lá e foram pegos pelos fazendeiro, pelos pistoleiros da Fazenda Vera Cruz.

DCO: Então os índios fugiram para o mato e os pistoleiros e fazendeiros saíram atrás deles?

R: Sim, 2 mulheres lá que foi pego pelo outro proprietário da fazenda, que é a Fazenda Vera Cruz. Eles lá falando que ele chegou lá batendo nelas e a amarrou e jogou no barranco de quase 50 m de profundidade lá que o que a erosão fez, né? Quando nós nos amarramos lá chegou um Paraguaio falando em Guarani para nós perguntar nosso nome, né?,

DCO: Tinha um paraguaio?

R: Sim, tinha. O que assustou bastante a gente porque aqui tem a situação de índios de retomada desaparecidos que são levados ao Paraguai para sumir com o corpo.
Numa hora após a gente ser espancado e torturado, o Paraguaio recebeu uma ligação não sei de quem. Ele chamou o Paraguai para baixo, e ele falou, vem aqui um pouquinho, vem aqui um pouquinho que a gente recebeu uma ligação. E aí o Paraguaio chegou e falou para nós, “nós vamos soltar vocês e vão embora daqui. Se vocês forem pegos de novo aqui, nós vamos matar vocês”.
Foi aí que eu percebi que eles receberam uma ligação que vocês (que posteriormente foi organizada a emboscada para os jornalistas e o militante do PCO) estava vindo. Porque ali eles saíram e todo mundo veio com pressa, como aparecesse alguma coisa que aconteceu. Eles vinham correndo e foi tudo uma parada lá na fazenda do retiro Maringá, que eu não sei.
Depois que eles soltaram nós, eu fui lá e falei para a mulherada lá que foi pego, pega o caminho e vai até a aldeia que eu vou ficar por aqui procurando nosso parceiro. Aí eu entrei de novo ali no mato lá e olhando lá e vi que passava vários o carro, entrando ali na no retiro Maringá, e que eles estavam na direção para a cidade no momento em que vocês estavam vindo para cá.
Eram uns 15 carros por aí, não é? Uns 30 a 40 fazendeiros lá com segurança. Eles foram em direção de vocês lá.

DCO: Aí eles soltaram, largaram vocês lá, aí vocês fugiram, né? E como foi essa volta para a aldeia?

R: Na volta eu encontrei a mulher grávida vindo bem devagarinho, já está cansado, com fome, já está mais de 3 horas da tarde já. Porque aí a gente veio junto, né? Aí eu espero ela descansar. A gente chegou aqui por volta da meia-noite já. E aí a mulher grávida na estrada lá onde tem uma areial, nós comemos areia para os por causa da por causa que eu estava com fome. E diz que já está perdendo a força, que estava com dor na barriga, na cabeça, Então. Eu fiquei encorajando ela para que possa não acontecer nada no caminho, não é porque sem força a gente ia ficar morrendo no meio do Mato.

DCO: Vocês achavam que eles iam matar vocês ou só torturar e soltar?

R: Não, eu pensei que a gente iria morrer. Eu falei para para assim pra ele (pistoleiro): a área está demarcado e que nós matar vai sair sair (a homologação) mais rápido ainda. Aí eles falam que está demarcando sim, está demarcado já, mas não vou entregar fácil, tem que matar 15 Índios para que fosse demarcado.

DCO: E tinha quantos índios ali na retomada

R: Tinha quase 40 mulheres e crianças, né? As mulheres, crianças ficaram tudo no Mato para se proteger.

DCO: Vocês tinham alguma polícia lá? Vocês viram a polícia?

R: Então, a gente para se render porque eles (polícia) foram lá. Eu não sei quantos chegaram depois disso, porque eles foram lá. E ouvimos tiro de uma pistola, que a polícia usa. Aí ninguém tinha pistola na porque não viu o tiro da pistola antes. Nas mãos dos pistoleiros tinha calibre 12, rifle e 38. Eles vieram e falaram assim, rendam se que a gente conversa, sou polícia. Aí, como a gente é respeitoso, a gente obedece a lei. A gente como falou polícia e aí se entregou

DCO: Isso na no começo, quando eles vieram atacado?

R: Vieram atacar já e a gente estava se escondendo no Brejo. Aí pegaram a senhora e depois eles falaram isso. Eles falaram que era polícia. Eles pegaram e falaram, renda-se que com a senhora. Ela foi sequestrada porque falaram pra ela se render que a gente é polícia.

DCO: As informações da comunidade Puyelito Kue é que ainda tem um Guarani-Caiouá desaparecido após os ataques dos latifundiários?

R: Tem. É provável, pelo jeito que (os pistoleiros) disseram para nós, é levar para o Paraguai lá e matar nós mais lá. É porque ali já há outro país, e não vai ter investigação ou procura do corpo.

DCO: Eles fizeram uma reunião.É para falar de como combater as invasões.

R: Sim, eles fizeram isso numa fazenda chamada Fazenda Parise Não, não é para cada onde que nós entramos e no mesmo dia que ocorreu o ataque contra a nossa retomada.