Palestinas contam como é dar à luz com bombas sobre suas cabeças

Com mais de 25 mil mortos em pouco mais de três meses, o genocídio do povo palestino na Faixa de Gaza já entrou para a história como um dos episódios mais monstruosos de todos os tempos. Mais de duas milhões de pessoas são consideradas “deslocadas” – isto é, foram expulsas de suas propriedades – e cerca de 90% da população local mal tem o que comer. Ainda assim, apesar das bombas de “Israel” e o esforço de suas autoridades em “limpar” a Faixa de Gaza, a população palestina segue tentando enfrentar os desafios da vida cotidiana.

Nos três meses e meio desde a Operação Dilúvio al-Aqsa, muitas mulheres tiveram de dar à luz, em condições normalmente insalubres e estressantes. Muitos recém-nascidos, contudo, não sobreviveram mais que algumas semanas diante do cerco criminoso imposto por “Israel”, que, entre tantas atrocidades, resultou na morte de bebês pela falta de combustível em suas incubadoras.

Diante de todo esse quadro, a emissora catarense Al Jazeera entrevistou três mulheres que acabaram de dar à luz em Gaza. A realidade crua e desoladora dessas experiências é revelada nas histórias de Aya Deeb, Raeda al-Masry e Um Raed, mulheres que não puderam esperar o fim dos bombardeios para terem seus filhos. As histórias comoventes destacam não apenas os desafios específicos enfrentados por mães e recém-nascidos em Gaza, mas também a brutal realidade da guerra e do cerco que afetam diretamente a vida cotidiana de milhões de palestinos.

Cerca de 70% de todos as mortos por “Israel” são mulheres crianças, o que, em si, já comprova ser mentirosa a propaganda sionista, que justifica seu genocídio sob o pretexto de “combater o terrorismo”.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 180 crianças nascem por dia em Gaza. De 7 de outubro a 5 de janeiro, a Organização Mundial da Saúde documentou 304 ataques israelenses a instalações de saúde em Gaza, que também mataram mais de 300 profissionais de saúde. Nesse período, foram registrados também mais de 60 mil feridos, 10 mil pacientes com câncer correm o risco de morte e 121 ambulâncias destruídas pelo exército de ocupação.

Aya Deeb

“Deslocada” de sua casa em Bir an-Naaja, no norte da Faixa de Gaza, semanas antes do parto, Aya Deeb vem se mudando de um abrigo para outro, tentando escapar dos bombardeios israelenses. O termo “deslocado”, utilizado frequentemente para os palestinos em Gaza, expressa, na verdade, a situação de mais de dois milhões de palestinos que tiveram de sair de suas casas, seja porque elas foram destruídas, seja porque estavam sob ameaça de bombardeios. Os “deslocados” são, portanto, pessoas expulsas de suas propriedades por “Israel”.

“Nos primeiros dias do conflito, mudamos para a casa do tio do meu marido em Zawayda por segurança. Mas depois eles atacaram a casa ao lado, e meu marido morreu nesse ataque.”

Sua filha, Yara, nasceu no dia de Natal, quando “Israel” não cessou seus ataques. Pelo contrário: em Belém, onde se considera que seja a cidade onde Jesus nasceu, ocorreram ataques e prisões.

“Eu estava tão deprimida durante os últimos meses da minha gravidez. Há tantas coisas que uma mulher grávida precisa no último trimestre da gestação, mas não havia comida suficiente ou água limpa”, contou ela à Al Jazeera.

“Mas o pior foi a tristeza pela perda do meu marido e por não tê-lo comigo durante o parto.”

Segundo narrado pela emissora catariana, o trabalho de parto de Aya começou na véspera de Natal, intensificando-se durante a noite até que seus pais a levassem à clínica do abrigo às 2h da manhã e corressem por todos os lados tentando encontrar uma parteira para ajudá-la no parto. Yara nasceria às 5h, no chão da clínica, atrás de uma cortina esticada em um canto da sala.

“Eu estava em trabalho de parto, e tudo o que eu conseguia ouvir eram os aviões de guerra rugindo acima, os bombardeios. Havia medo por toda parte.”

Após seu nascimento, Yara não recebeu uma certidão de nascimento, nem qualquer vacinação. Sua mãe também não recebeu atendimento médico.

Ao ser perguntada pela Al Jazeera sobre o que deseja para sua filha, Aya, então, respondeu: “Uma vida longa, vivida em paz, sem guerra. Elas veem tanta coisa desde muito jovens”.

Raeda al-Masry

Oriunda de Beit Hanoon, Raeda al-Masry também se “deslocou” para Jabália nos primeiros dias da guerra.

O prédio em que estávamos abrigados foi bombardeado, e fui retirada dos escombros pelos socorristas. Eu e meu filho mais velho, que tem 14 meses”, diz ela, que hoje, assim como Aya, se abriga em uma escola da ONU.

“Moath nasceu bem aqui na sala de aula, cerca de dois meses atrás. Quando meu trabalho de parto começou, chamamos uma ambulância ou algo assim, mas não havia recursos. Ninguém veio ajudar […] Meu Deus, foi um parto tão difícil. Não há nada aqui que possa ajudar durante o parto. Eu nem tinha roupas. As pessoas tiveram que revirar para encontrar algo para eu colocar o Moath.”

Assim como Yara, Moath segue sem vacina.

“Me disseram que não havia vacinas, … mas olhe onde estamos. O bebê está aqui na escola onde estão ocorrendo todo tipo de doenças. Agora mesmo, ele está com algo acontecendo em seu peito. Ele está tendo dificuldade para respirar, mas não há nada que eu possa fazer.”

Um Raed

Um Raed, abrigada na mesma escola que Aya e Raeda, contou como teve dificuldade de entrar em trabalho de parto, diante da situação traumática da guerra:

“Cheguei ao final da gravidez aqui no abrigo da escola”, ela conta, “mas meu trabalho de parto não começava, provavelmente por causa do medo em que eu vivia […] Então, eu caminhava daqui até o Hospital Kamal Adwan para fazer check-ups todos os dias. Fiz isso por três dias – não conseguia entender por que meu trabalho de parto não começava.”

Como milhares de outras mães em Gaza, quando seu trabalho de parto finalmente começou, ela teve que dar à luz em condições rudimentares e insalubres, sem precauções de segurança, simplesmente porque o sistema de saúde de Gaza está caindo aos pedaços.

“Desde o nascimento, não sei se devo me concentrar nas minhas contrações ou no som dos aviões de guerra acima. Devo me preocupar com meu bebê, ou devo ter medo dos ataques que estão acontecendo naquele momento?”

Ao ser perguntada sobre o que deseja para seu filho, Um Raed faz coro às demais que se encontram no abrigo da ONU: “vacinas”.