Shireen Aklé, símbolo da opressão da mulher palestina

Na conjuntura do genocídio que “Israel” vem perpetrando contra os palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia desde o dia 7 de outubro, data da revolucionária operação Dilúvio de al-Aqsa, as forças israelenses de ocupação já assassinaram mais de 130 jornalistas (75% do total em 2023). Uma clara tentativa de impedir que sejam feitas denúncias contra o genocídio na Palestina.

Contudo, não é de hoje que os as tropas de “Israel” assassinam jornalistas que denunciam suas atrocidades contra o povo palestino e árabe em geral.

Estamos falando do cruel e frio assassinato de Shireen Abu Aklé, em 11 de maio de 2022.

Mas quem foi Shireen Abu Aklé?

Os primeiros passos de uma grande jornalista

De nacionalidade palestina, nascida em Jerusalém no ano de 1971, Shireen era uma jornalista da emissora catarense Al Jazeera

Em sua adolescência, estudou na escola secundarista Irmãs Rosário, no bairro de Beit Hanina, Jerusalém Oriental. Após decidir não seguir carreira de arquiteta, para qual estava estudando, decidiu estudar jornalismo na Universidade de Iarmauque, na Jordânia, onde se graduou como bacharel. Após isto, retornou para a palestina, para exercer sua profissão.

Certa vez, em entrevista para a Al Jazeera, ao ser questionada porque havia escolhido ser jornalista, Shireen disse:

“Escolhi o jornalismo para estar perto das pessoas. Pode não ser fácil mudar a realidade, mas pelo menos eu poderia trazer a voz deles para o mundo.”

Antes de trabalhar para a Al Jazeera, Shireen foi jornalista para vários veículos de imprensa, tais como: Rádio Monte Carlo, Voz da Palestina, Canal de Satélite de Amã.

Também exerceu a atividade de jornalismo para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, em inglês) e para a Iniciativa Palestina para a Promoção do Diálogo Global e da Democracia (MIFTAH, em inglês). Já uma demonstração de que Shireen havia se tornado jornalista para atuar em defesa do povo palestino.

Uma jornalista em defesa dos palestinos

Foi em 1997 que ela tornou-se jornalista da Al Jazeera, especificamente do canal árabe da rede, sendo uma de suas primeiras jornalistas correspondentes de campo.

Sendo residente de Jerusalém Oriental, atuou trazendo ao mundo importantes notícias de denúncias dos horrores sofridos pelos palestinos nas mãos dos sionistas e de seus lacaios do aparato de repressão da Autoridade Palestina.

Mas seu jornalismo não se limitou a expor o sofrimento do povo palestino. Também expôs a luta do mesmo. Foi a principal jornalista da Al Jazeera a cobrir a Segunda Intifada, mobilização revolucionária do povo palestino iniciada em 2000 depois que manifestantes palestinos que protestavam contra a provação de Ariel Sharon à Mesquita de al-Aqsa foram duramente reprimidos.

Durante a época da Segunda Intifada, que foi de 2000 a 2005, Shireen permaneceu fazendo um trabalho jornalístico de alta qualidade, ainda como repórter de campo. Dentre as denúncias das repressão contra os palestinos, e da luta aguerrida desse povo martirizado, a jornalista palestina foi responsável por cobrir a Batalha de Jenin (2002) e inúmeras operações das forças de ocupação na Faixa de Gaza.

Ademais disto, foi a primeira jornalista autorizada a entrar na prisão de Xiquemam, localizada na cidade costeira de Axiquelom, distro sudeste de “Israel”. Isto se deu em 2005, o que foi possível graças à mobilização revolucionária da Segunda Intifada. Lá, realizou diversas entrevistas com prisioneiros palestinos, expondo o inferno na Terra que são as masmorras israelenses. Dessa forma, Shireen foi uma das jornalistas pioneiras nas denúncias das condições dos prisioneiros palestinos e na luta pela sua libertação.

O jornalismo de Shireen, denunciando a repressão contra os palestinos, também era feito através de sua cobertura dos funerais dos palestinos que haviam sido mortos pelas forças de ocupação ou pelos colonos. Vale ressaltar que os funerais dos palestinos sempre se tornam mobilizações populares contra a ditadura de “Israel”, e acabam também sendo alvo de repressão.

Em razão de seu jornalismo militante em defesa do povo palestino, Shireen passou a ser alvo do sionismo. Certa vez, relatou em entrevista à Al Jazeera que havia sido acusada inúmeras vezes pelo Estado de “Israel” de fotografar áreas de segurança e que, por isto, estaria sendo ameaçada pelas forças de ocupação e pelas milícias fascistas do sionismo, isto é, os colonos da Cisjordânia.

Mas jamais se deixou abalar diante das ameaças covardes dos sionistas. Se chegou a temer por sua vida? Sim, conforme declarou certa vez em entrevista (à An-Najah NBC) sobre a possibilidade de ser baleada durante suas coberturas. Afinal, como se vê atualmente, os sionistas são capazes das piores monstruosidades. No entanto, nenhum medo foi capaz de deter o jornalismo militante em defesa dos palestinos:

“Claro que fico com medo. Num momento específico você esquece esse medo. Não nos jogamos até a morte. Vamos e tentamos descobrir onde podemos ficar e como proteger o time que está comigo antes de pensar em como vou subir na tela e o que vou dizer.”

Tanto é assim que permaneceu trabalhando como jornalista de campo para a Al Jazeera, cobrindo a situação na Palestina.

Vale ressaltar que, para além do trabalho realizado em campo, Shireen também realizava cobertura a respeito da política israelense. Como forma de aprimorar seu trabalho jornalístico de cobrir a política do Estado de “Israel”, Shireen estava aprendendo hebraico quando foi assassinada, o que mostra um exemplo de dedicação à profissão e também à defesa do povo palestino.

Aqueles que vêm acompanhando a Guerra Palestina-“Israel” sabem que o Catar e o Egito são os principais países que estão atuando como mediadores nas negociações para um cessar-fogo.

Sobre isto, vale ressaltar que as relações diplomáticas entre esses países foram retomadas no ano de 2021. E qual a relevância disto para essa matéria?

Bem, Shireen foi a primeira jornalista da Al Jazeera a realizar uma transmissão ao vivo, direto do Cairo, capital do Egito, quando a rede foi autorizada a atuar novamente no país após a normalização das relações diplomáticas.

O assassinato

Shireen Abu Aklé foi assassinada em 11 de maio de 2022 por um soldado sionista enquanto ela realizava cobertura de uma incursão criminosa das forças de ocupação ao campo de regufiado de Jenin, na Cisjordânia Ocupada.

No momento em que foi morta, Shireen vestia um colete azul escrito PRESS (termo inglês para imprensa), igual ao que pode ser visto na imagem abaixo:

Isto foi confirmado pela Al Jazeera, que à época publicou a seguinte declaração em protesto, condenado o crime como uma atrocidade:

“Em um trágico ato de assassinato que viola as leis e normas internacionais, as forças de ocupação israelenses assassinaram Shireen.”

Waleed Al-Omary, diretor da Al Jazeera nos territórios palestinos, também confirmou que Shireen usava um capacete.

Assim, mesmo identificada como jornalista, ainda assim foi assassinada por “Israel”. Uma demonstração de que os sionistas queriam tanto impedir ela de realizar seu jornalismo, denunciando as atrocidades de “Israel” contra os palestinos, como se vingar pelos anos de jornalismo militante em defesa da Palestina.

As circunstâncias em que Shireen foi morta e as investigações posteriores demonstraram que, de fato, o assassinato foi proposital.

Em primeiro lugar, segundo depoimento da Shatha Hanaysha, jornalista que testemunhou o assassinato de sua colega Shireen, as forças de ocupação impediram por um tempo a chegada de ambulâncias para resgatar a jornalista. 

Outro colega que acompanhava Shireen, Ali Samoudi, também declarou que ela foi “morta a sangue-frio” e que, mesmo após isto, as forças de ocupação continuaram disparando. Samoudi foi alvejado nas costas, mas conseguiu sobreviver.

Não bastando, horas após o assassinato, quando uma equipe de jornalistas esteve no local para noticiar o ocorrido, foram atacadas de propósito pelas forças de ocupação, enquanto aguardavam a chegada de outra equipe.

Em segundo lugar, a autópsia de Shireen revelou que ela foi atingida diretamente, na parte de sua cabeça, por uma bala perfurante, segundo noticiado pelo The New York Time.

De início, autoridades “israelenes” alegaram cinicamente que a jornalista havia sido morta por combates palestinos da resistência, que atiraram contra as forças de ocupação.

Contudo, inúmeras testemunhas relataram que o local onde Shireen e sua equipe faziam a cobertura estava calmo.

De forma que a explicação dada pelos israelenses nada mais foi que a justificativa cínica tradicional das forças de repressão, aquela que pode ser vista com frequências nas declarações que a Polícia Militar publica após chacinas e assassinatos de trabalhadores aqui no Brasil.

Shireen tinha 51 anos de idade e 25 de jornalismo em defesa da Palestina pela Al Jazeera quando foi assassinada por “Israel”.

As manifestações populares em seu funeral e a repressão a elas

O funeral de Shireen ocorreu no dia 13 de maio. Uma procissão havia sido organizada. Como a Cisjordânia vive sob a ditadura de “Israel”, o irmão da jornalista teve de informar à polícia sionista todos os detalhes da procissão. O aparato de repressão informou a ele que estava proibido o uso de bandeiras palestinas durante a marcha.

Milhares de palestinos compareceram à procissão, que começou no Hospital São José. 

Em uma demonstração do nazismo sionista, a polícia israelense já reprimiu a manifestação no local, agredindo os palestinos presentes, inclusos aqueles que garregavam o caixão, de forma que este caiu.

Segundo vídeos divulgados à época (algo que foi inclusive noticiado pelo The Times of Israel, imprensa sionista), dezenas de policiais israelenses invadiram o hospital antes mesmo de que o caixão tivesse saído. Além de cassetetes, os criminosos sionistas utilizaram granadas de efeito moral na tentativa de impedir a procissão.

Até mesmo a União Europeia, confederação liderada pelos países imperialistas europeus, foi forçada a publicar uma declaração condenando o fascismo de “Israel”. Na declaração, disse que estava “chocada com a violência no complexo do hospital São José e com o nível de força desnecessária exercida pela polícia israelense durante o cortejo fúnebre“.

Contudo, a repressão não foi suficiente para impedir o funeral. Os palestinos reergueram o caixão e deram seguimento à procissão. Além disto, as forças sionistas de repressão não conseguiram proibir as bandeiras palestinas. Uma demonstração de como as massas, mesmo sob ditaduras, podem derrotar suas forças repressivas.

O caixão foi  transportado em um carro funerário para a Catedral da Anunciação Virgem, no Bairro Cristão da Cidade Velha de Jerusalém, onde foi realizado o funeral.

Foi enterrada ao lado de seus pais.

O legado continua – a defesa das mulheres palestinas no 8 de março

Recentemente, Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), esteve no Catar, onde se reuniu com o birô político do Hamas, inclusive com seu líder, Ismail Hanié. Em sua estadia no país árabe, deu duas entrevistas à Al Jazeera

Conforme relatado pelo presidente do Partido, nas edições recentes do programa Análise Política da Semana, no estúdio da Al Jazeera, há um mural, logo na entrada, dedicado a Shireen.

Pimenta explicou então que, à luz do 8 de março, Dia da Mulher Trabalhadora, Shireen deve ser o rosto da campanha do Partido em defesa da mulher palestina e de todo o povo palestino. E que se, neste 8 de março, a esquerda não se dedicar à defesa das mulheres palestinas, o dia será uma farsa:

“Quando eu tive na Al Jazeera eu vi um mural que falava de uma jornalista palestina da Al Jazeera, que foi assassinada pelos israelenses. O que aconteceu foi o seguinte: ela estava cobrindo um ataque israelense contra o campo de refugiados de Jenin, que é o maior que tem na Cisjordânia, e aí um franco-atirador a matou. Ela estava identificada como jornalista; estava tava escrito imprensa [em seu colete]. E depois a gente tem que pedir desculpa quando a gente fala que isto é nazismo? O nome dessa mulher é Shireen Abu Aklé. Eu acho que se o dia da mulher aqui no Brasil não for sobre as mulheres palestinas é melhor esquecer o dia da mulher. Nós temos que travar uma luta, e essa mulher aqui, ela tem que ser o símbolo de todas as milhares de mulheres que foram assassinadas pelos israelenses na faixa de Gaza.”