Movimentos sem terra condenam escalada da repressão no campo

Desde janeiro de 2023, três camponeses já foram assassinados no Acampamento Tiago Campin dos Santos, em Nova Mutum-Paraná, área rural de Porto Velho, em Rondônia. A violência no estado, mais especificamente na região entre o distrito de Nova Mutum-Paraná e Nova Dimensão, no município de Nova Mamoré, tem se intensificado nos últimos dois anos.

Apenas no Acampamento, 11 mortes já foram registradas desde 2021. As denúncias são de que as ações que resultam nos assassinatos e outras violências estão ligadas a atuação de milícias e autoridades públicas do estado.

Em nota pública, a Campanha Nacional Contra a Violência no Campo, que agrega mais de 50 organizações em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas, caracteriza a situação como “grave violação de direitos humanos” e solicita aos Ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Agrário, “que sejam apurados os fatos narrados pelas famílias acampadas do Acampamento Tiago dos Santos, também por meio de uma atuação mais direta do Governo Federal”. 

Leia na íntegra:

A Campanha Nacional Contra a Violência no Campo – em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas – vem, por meio desta nota, alertar para as violações de Direitos Humanos e a escalada da violência no estado de Rondônia, que são praticadas por parte do Estado (especialmente polícias) e de “milícias rurais”.

No último sábado o Acampamento Tiago dos Santos, localizado em Nova Mutum (RO), sofreu uma ação da Polícia Militar, em conjunto com pistoleiros, tendo como resultado dois camponeses mortos e um baleado, além de diversos feridos (conforme relatos dos acampados a seus advogados).

A escalada da violência na região nos preocupa, pois, apenas no Acampamento Tiago dos Santos, o Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc-CPT) registrou um número de 11 assassinatos de trabalhadores rurais entre o ano de 2021 e início de 2023.

Como denunciado em matéria no Brasil de Fato de novembro de 2022, a origem dos conflitos no local está relacionada com a concentração fundiária e a grilagem de terras no estado, e aumentou após o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma. Tamanha violência resultou em operação da Polícia Federal, que desmantelou provisoriamente a milícia e identificou um dos responsáveis (conhecido como Galo Velho, cujos “jagunços” participaram ativamente da ação ocorrida no último sábado, de acordo com os acampados).

Entretanto, a ação do dia 28/01 demonstra uma rearticulação dos envolvidos nos casos de violência no estado de Rondônia. Em diversos vídeos e imagens que circulam a partir das 2 mil famílias acampadas que demandam a área, é possível ver que mulheres e crianças são atingidas pela ação do dia 28, impactados com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral. As narrativas na imprensa e justificativa da ação divergem. Alguns meios de comunicação informam que era cumprimento de reintegração de posse (contrário à decisão do STF na ADPF 828, que determina que os despejos sejam dialogados e organizados), outros que houve troca de tiros, entretanto sem qualquer policial ferido e do outro lado, dois mortos e um sobrevivente baleado.

Pelas informações contraditórias, assim como pelo histórico de violência da região (já denunciado nos relatórios do CIMI e da CPT como sendo a Amazônia Legal a região que mais concentra conflitos no campo – demonstrado também pela situação dos Yanomami em RR), nos preocupa a nova escalada de violência em Rondônia.

Todo esse histórico de violência e ilegalidades supostamente praticadas por milicianos e autoridades públicas do estado de Rondônia caracteriza situação de grave violação de direitos humanos ensejando atuação da Polícia Federal nas investigações sobre os assassinatos ocorridos em 28 de janeiro de 2023, bem como, nas investigações dos crimes praticados em datas anteriores.

Por essa razão solicitamos aos Ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Agrário, que sejam apurados os fatos narrados pelas famílias acampadas do Acampamento Tiago dos Santos, também por meio de uma atuação mais direta do Governo Federal no estado, devido ao envolvimento dos entes estatais locais e sua responsabilidade nos conflitos agrários, conforme apresentado pela Polícia Federal.

Chega de violência no campo! Em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas!

COORDENAÇÃO DA CAMPANHA NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA NO CAMPO

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA

Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Cáritas Brasileira

Movimento Quilombola do Maranhão – MOQUIBOM

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG

6ª Semana Social Brasileira – CNBB

Fonte: Comissão Pastoral da Terra (CPT)