O estado acumula crescimento em casos de trabalho escravo e de trabalhadores resgatados, além de ações de pistolagem (256). Esses e outros números colocam o MT como líder no Centro-Oeste em conflitos por terra e água.
“Estamos há 15 anos na terra, agora sofremos dois despejos e ameaças pelos seguranças da fazenda, não podemos nem registrar um boletim de ocorrência, pois não somos reconhecidos”. Este relato emocionado é de Marizete, trabalhadora da Gleba Pelicioli, situada na região de Santa Terezinha, no Mato Grosso.
O caso da trabalhadora rural, assim como de tantos outros Brasil afora, compõe a publicação Conflitos no Campo Brasil 2022, lançada na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Cuiabá (MT), no último dia 9, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Mato Grosso.
Há quase 40 anos, o relatório reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, bem como indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais do campo, das águas e das florestas.
Dedicado à irmã Vera Maria Lobo, agente histórica da Pastoral que faleceu na última semana, o evento contou com a participação de representantes da CPT, do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo em Mato Grosso (COETRAE) e camponeses.
MT na liderança
Em 2022, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, registrou 165 ocorrências de conflitos no campo no estado do Mato Grosso, com 40.971 pessoas envolvidas diretamente. Os conflitos no campo englobam as seguintes categorias: terra, água e trabalhistas.
Ainda no ano passado, foram registradas 256 ações de pistolagem contra os povos do campo. Nesses casos de pistolagem, três pessoas foram assassinadas, sendo Eliseu Kanela, na Terra Indígena Porto Velho, na Aldeia Pukañu, no município de Confresa; um sem terra na Fazenda Pau D’Alho, em Cotriguaçu; e um trabalhador rural na fazenda da família Gringos, em Colniza.
Entre os estados do Centro-Oeste, o Mato Grosso continua a liderar diversas categorias de conflitos registrados pela Pastoral, tais como: conflitos por terra, conflitos por água, violência contra a pessoa, ocorrências de conflitos no campo, despejos judiciais, destruição de pertences de famílias, e o tamanho da área em disputa.
Conflitos por terra
Novamente, o Mato Grosso foi o estado no Centro-Oeste com o maior número de ocorrências de conflitos por terra, com 147 casos, um aumento de 65% em relação a 2021. Os despejos autorizados pela Justiça, por exemplo, tiveram elevação de 120% em relação a 2021.
Em 2022, entre os principais causadores de conflitos por terra no estado está o Governo Federal, com um aumento de 711% em relação a 2021 – foram 73 casos. Os fazendeiros são o segundo grupo dos promotores de conflitos, com 16 casos; seguidos pelos grileiros de terras, com 13, e os madeireiros com 7 conflitos.
E entre as principais pessoas que sofreram com os conflitos por terra estão os quilombolas, com 66 conflitos – um aumento de 3.200% em relação a 2021; os povos indígenas, com 42 conflitos; os Sem Terra, com 16 casos; os assentados da reforma agrária, com 9 conflitos; pequenos proprietários de terras, com 7 casos; e extrativistas com 4 conflitos.
Trabalho Escravo
No ano passado, o Mato Grosso registrou uma elevação de 122% no número de trabalhadores em situação análogo à escravidão que foram libertados, foram 36 pessoas no total. Foram identificadas seis ocorrências de trabalho escravo.
Violência contra a ocupação e a posse
Essa categoria de registro se refere aos bens das famílias, suas moradas e contra os seus territórios. Em 2022, 330 famílias foram despejadas pela Justiça de seus lares, o que representa um aumento de 120% em comparação com 2021. Além disso, foram registradas 2.608 casos de invasões aos territórios das famílias; 1.329 casos de grilagem de terras; 153 roças das famílias foram destruídas; 57 casas destruídas e 5.107 casos de desmatamento ilegal nos territórios dessas famílias.
Violência no campo durante o mandato de Bolsonaro
Entre o período de 2019 e 2022 da presidência de Jair Bolsonaro (PL), os conflitos no campo aumentaram exponencialmente, diferente do que é alegado pelo ex-mandatário sobre a paz no campo. No estado do Mato Grosso não foi diferente. Confira alguns destaques:
- Período em que houve o maior número de ocorrências em conflitos por terra e água por água desde a redemocratização do Brasil em 1985;
- Maior número de famílias envolvidas em conflitos por terra e água desde 2003;
- Maior número de famílias despejadas desde 2003;
- Maior número de pessoas ameaçadas de morte desde 2013;
- Maior número de famílias que sofreram ações de pistoleiros desde 2004;
- Maior número de ocorrências de manifestações desde 2011;
- Diminuição drástica em números de assentados, acampamentos e ocupações, por motivo do crescimento da violência por parte de fazendeiros, grileiros, policiais e Estado;
- Aumentou no quadriênio (2019-2022) a porcentagem do governo federal em 1.783% como causador de violência em conflitos por terra em relação ao período anterior (2015-2018);
- Aumentou no quadriênio (2019-2022) a porcentagem do governo estadual em 500% como causador de violência em conflitos por terra em relação ao período anterior (2015-2018).
Por trás de todos esses números de conflitos está o martírio de famílias, povos e comunidades que vivem uma rotina de ataques contra suas vidas e suas terras e territórios. “Essa dura realidade associa-se diretamente à política do ódio contra os injustiçados e injustiçadas da Terra e à ausência de políticas estruturantes para o campo. Com estes números, encerra-se o ciclo de quatro anos do governo Bolsonaro, período marcado por ser o mais violento contra essas populações no século XXI”, analisa a Comissão Pastoral da Terra.
Fonte: Comissão Pastoral da Terra