CUT e MPT se posicionam contra PEC no Congresso que autoriza o trabalho infantil

Está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), do Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18/2011, que prevê a liberação do trabalho infantil. Esse projeto faz uma alteração pequena, mas muito grave, no artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição que hoje diz que os jovens podem trabalhar a partir dos 16 anos e, sendo o trabalho noturno, perigoso ou insalubre, só a partir dos 18 anos. Entre os 14 e 16 anos, só pode ser realizado o trabalho na condição de jovem aprendiz, ou seja, para a sua formação laboral.

A PEC, cujo relator é o deputado Gilson Marques (Novo-SC), da bancada conservadora e de oposição ao governo federal, muda justamente essa última parte, a de que o jovem entre 14 e 16 anos poderia também não só ser jovem aprendiz como também trabalhar em meio período. A secretária da Juventude da CUT Nacional, Cristiana Paiva Gomes, entende que essa mudança é muito perigosa, pois é uma faixa etária que está entrando no ensino médio e técnico, começando a sua formação.

“Existe uma pressão muito grande, principalmente nas famílias mais pobres, para largar os estudos cedo e começar a trabalhar quanto antes para ajudar nas contas da casa, mas largar a educação vai trazer muito prejuízo para o futuro desse jovem, seja para acesso a melhores condições de trabalho, seja para sua própria percepção enquanto trabalhador e acesso a ferramentas para sua organização e luta por melhores condições de vida e por seus direitos”, afirma Cristiana.

Na visão da Coordenadora Nacional de Combate ao Trabalho Infantil de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luísa Carvalho Rodrigues, o texto da PEC é inconstitucional, por ser incompatível com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta que envolvem direitos de crianças e adolescentes e também todos os acordos internacionais assumidos formalmente pelo Brasil, que ratificou convenções internacionais para a abolição efetiva do trabalho infantil, e não apenas o que fixa uma idade mínima, mas o de aumentar essa idade mínima progressivamente, não o contrário. O MPT publicou nota técnica contrária à PEC. Leia aqui.

Pela convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a elevação progressiva da idade para o trabalho seria até o final da escolaridade obrigatória, que no Brasil vai até os 17 anos de idade pela Constituição Federal.

“A atual idade mínima é um direito humano da criança e do adolescente e não pode ter nenhuma tentativa de redução. É um direito resguardado por ser uma cláusula pétrea e há uma vedação nesse sentido. O Brasil, inclusive, faz parte da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas [ONU], para o Desenvolvimento Sustentável, e um dos objetivos dela é justamente a erradicação trabalho infantil”, conta a procuradora.

Incentivo à mão de obra barata

A secretária de Juventude da CUT entende que é preciso que a sociedade entenda os efeitos dessa PEC, seja para a juventude, seja para os trabalhadores em geral, pois nada mais é do que uma tentativa bizarra de tirar os jovens da sala de aula para se tornarem mão de obra barata.

“A ideia do projeto é o de aumentar o desemprego, tentar forçar um desespero na busca por renda na classe trabalhadora, e, de maior lucro para os empresários e isso que não podemos permitir”, diz Cristiana.

Para ela os representantes do neoliberalismo econômico estão incomodados com o governo Lula (PT), que está promovendo o emprego e ampliação da renda com a menor taxa de desemprego em 10 anos e a maior massa salarial desde o início da série histórica.

“Essa combinação de menor taxa de desemprego e maiores possibilidades de capacitação do trabalhador, com as universidades federais e institutos federais, é uma bomba para o capitalismo, pois significa que as trabalhadoras e os trabalhadores têm uma maior força para reivindicar seus direitos, maiores salários e melhores condições de trabalho.

Essa PEC é um ataque coordenado da extrema direita em cima da juventude que vem junto com o PL do estuprador, que afeta com mais força as meninas mais novas que sofreram violência sexual. Esses dois projetos, juntos, buscam reverter a sociedade, em termos de como enxergamos as crianças e adolescentes, ao que víamos no começo do capitalismo: meninos pobres trabalhando e meninas pobres tendo que se tornar mães- Cristiana Paiva Gomes

A coordenadora da Coordinfância diz que as motivações para legalizar o trabalho infantil estão ocultas e não são muito anunciadas, mas ela entende que a PEC se baseia muito em desinformação, em informações equivocadas ou num desconhecimento mesmo sobre direito da criança e adolescente, sobre legislação e a Constituição. Segundo Luísa, as crianças que estão no trabalho são as de famílias em situação de vulnerabilidade econômica, de maioria negra, e são os direitos delas que querem violar.

“Há um mito, uma naturalização a respeito do trabalho infantil no nosso país que pode ser sim uma das razões para aqueles que são favoráveis à redução da idade mínima para o trabalho, porque entendem que é melhor que criança e o adolescente estejam trabalhando, em vez de estar, na verdade com seus direitos garantidos. Criança e adolescente tem que estar estudando, brincando e vivendo essa fase da vida de forma plena”, diz.

A inserção precoce de criança e adolescente no trabalho não vai ser uma solução para as famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O trabalho infantil não só mantém como agrava a exclusão social e a pobreza. Então, o dever constitucional, na verdade, de assegurar os direitos fundamentais é da família, do Estado e da sociedade. E a gente não pode admitir a inversão desses papéis- Luísa Carvalho Rodrigues

Direito à educação

Para a dirigente da CUT, o jovem em idade escolar não pode ser submetido às pressões financeiras da sua família, por ser esse um momento muito sensível da sua vida, em que vai se formar enquanto cidadã e cidadão, conhecer seus direitos, as possibilidades do mundo.

A juventude brasileira precisa ter acesso a uma educação digna e à diversidade das manifestações culturais, seja para sua formação pessoal e política, seja para a sua formação laboral, defende Cristiana. Segundo ela, um jovem de 14 anos, que ainda está cursando a educação básica, entrando no ensino médio e técnico, não deve ser pressionado a entrar no mercado de trabalho e abandonar os estudos.

“A aprendizagem, quando bem organizada, tem seu valor, porque é um espaço de desenvolvimento. É uma forma de trabalho, quando tratada com seriedade, que não expõe o jovem ao risco e caminha de mãos dadas com a educação escolar”, diz a secretária de Juventude da CUT.

As políticas públicas como Bolsa-Família e o Programa Pé de Meia vêm exatamente nesse sentido, de estimular a frequência escolar, que o jovem esteja em sala de aula e conviva com os seus, acredita Cristiana.

“A solução para essa pressão financeira não deve ser liberar o jovem para o trabalho sem orientação, mas exatamente expandir as políticas públicas que garantem renda para quem precisa, para que se formem melhores pessoas e trabalhadores mais capazes de demandar trabalho decente e renda digna”, defende.

Entenda

A PEC foi proposta em 2011 e foi relatada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na época, pelo ex-deputado federal Paulo Maluf (SP), que apresentou um relatório favorável. No entanto, o texto foi sendo arquivado e desarquivado ao longo dos anos e voltou à tona com a extrema direita na CCJC, de autoria de Dilceu Sperafico (PP-PR) e com a relatoria de Gilson Marques (Novo-SC).

Em 2021, no governo de Jair Bolsonaro mais uma vez tentaram aprovar a PEC do trabalho infantil, mas ela foi barrada pela então oposição.

Outro ataque aos direitos das crianças e dos adolescentes está sendo feito pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que propôs a PEC 2/2020, reduz a idade mínima do trabalho para 13 anos.

Fonte: CUT