Em denúncia aos trabalhadores encontrados em caso análogo a escravidão na serra do estado do Rio Grande do Sul, a Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul publicou a seguinte nota em denúncia:
Por uma economia da vida, que liberta e não escraviza
A Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul manifesta a sua solidariedade e o seu compromisso com os mais de 200 trabalhadores que, na cidade de Bento Gonçalves (RS), foram resgatados da situação de trabalho análoga à escravidão pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, junto ao Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, na noite do dia 22 de fevereiro passado.
Os trabalhadores que encontramos confirmaram as denúncias que vinham senso divulgadas na imprensa local, desde o primeiro momento, e que estão sendo apuradas pelos órgãos competentes. Quase todos eles, e entre eles muitos jovens, foram aliciados, em vários municípios da Bahia, para prestar serviços na vindima da uva e em serviços juntos a um frigorífico, com a promessa de um bom salário, hospedagem digna e alimentação adequada. Os contratos teriam duração de 45 dias.
A realidade não correspondeu às garantias prometidas. Os trabalhadores foram submetidos a uma exaustiva jornada de trabalho que chegava, às vezes, a quinze horas; a comida nem sempre era adequada e houve até casos de comida estragada; o alojamento, numa pousada, próxima do centro da cidade, era precário, insalubre e sem as necessárias condições higiênicas. Eram instruídos a fazer suas compras só num mercadinho indicado pela empresa, gerando, assim, uma dívida que os obrigava a permanecer no trabalho. Alguém que protestou foi duramente reprimido pelos seguranças da empresa que ameaçavam retaliações contra os familiares e até chegaram a usar gás de pimenta e armas de choque, configurando possíveis situações de tortura e de lesão corporal.
Foram imediatamente abrigados no ginásio municipal, onde foram atendidos pelos serviços sociais da prefeitura e pelos órgãos investigativos e trabalhistas, em vista de receber a devida indenização e poder voltar para suas residências.
A Comissão Pastoral da Terra, diante dos fatos, se une ao clamor da sociedade que exige a apuração de todas as irregularidades e ilegalidades que foram eventualmente cometidas.
- A respeito da empresa contratante e que prestava serviço terceirizado para as vinícola Aurora, Garibaldi e Salton e a um frigorífico: de qual empresa se trata, visto que no mesmo endereço (rua Passo Fundo, 127) têm dois CNPJ entre si interligados. É a Oliveira e Santana ou é a Fênix? A Oliveira e Santana tem como sua atividade principal e única informada a de “carga e descarga”. A Fênix, por sua vez, declara poder exercer cerca de trinta atividades e mais uma “outros serviços”. Entre estas atividades constam “atividade de apoio à agricultura” e “seleção e agenciamento de mão de obra”. É importante e necessário saber se estas empresas fizeram contratos de serviço terceirizado, também, para órgãos públicos.
- A respeito da pousada que hospedou os trabalhadores e do mercadinho que vendeu as mercadorias: têm os devidos alvarás de funcionamento? Tem documentação do corpo de bombeiros acerca do PPCI? Têm eventuais dívidas municipais
- A respeito dos seguranças: como foram feitos os contratos de prestação de serviço? Houve o devido treinamento para o exercício da função?
- A respeito das pessoas jurídicas ou físicas que usufruíram dos trabalhadores fornecidos pela empresa terceirizada: como foi feito o contrato de prestação de serviços? Têm comprovantes dos pagamentos efetuados?
É preciso combater com firmeza todo tipo de exploração do trabalho humano. Não podemos aceitar que o progresso de uma cidade aconteça às custas da violência e da opressão.
A Comissão Pastoral da Terra cobra, também, uma atitude pública, coerente e profética por parte da Igreja Católica e das demais igrejas cristãs, para que testemunhemos, em nome de Jesus, que nosso primeiro objetivo é a justiça do reino de Deus (Mt 6,33), para que todos e todas tenham vida e a tenham ao máximo (Jo 10,10).